Acamparam em uma plataforma baixa onde paredes de agregado seco assinalavam o antigo curso de um rio e montaram uma fogueira em torno da qual sentaram em silêncio, os olhos do cão e do idiota e de alguns outros homens cintilando vermelhos como brasas em suas órbitas quando viravam a cabeça. As chamas dançavam ao vento e os tições empalideciam e avivavam e empalideciam e avivavam como o batimento sanguíneo de alguma criatura viva eviscerada sobre o chão a sua frente e eles contemplavam o fogo que de fato contém em si parte do próprio homem pois que este o é menos sem ele e se vê separado de suas origens e se torna um exilado. Pois cada fogo é todos os fogos, o primeiro fogo e o último que um dia haverá de ser. Após algum tempo o juiz se levantou e se afastou para alguma missão obscura e depois de alguns instantes alguém perguntou ao ex-padre se era verdade que em certa época houvera duas luas no céu e o ex-padre espreitou a falsa lua sobre eles e disse que podia muito bem ser que sim. Mas decerto o sábio Deus altíssimo em sua consternação pela proliferação de lunáticos nessa terra devia ter lambido um polegar e se curvado lá no caos e beliscado o astro e o extinguido com um chiado. E acaso fosse capaz de encontrar algum outro meio pelo qual os pássaros pudessem corrigir suas rotas na escuridão ele o teria feito também com essa.
Foi proposta em seguida a questão de haver em Marte ou em outros planetas no vácuo homens ou criaturas como eles e nesse ponto o juiz que voltara para junto do fogo e estava ali de pé seminu e suando falou e afirmou que não havia e que não existiam homens em parte alguma do universo salvo os que se encontravam sobre a Terra. Todos ouviram conforme falava, os que se viraram para observá-lo e os que não o fizeram.
A verdade sobre o mundo, disse, é que tudo é possível. Não o houvessem visto todos vocês desde o nascimento e desse modo o dessecado de toda sua estranheza ele se lhes revelaria tal como é, um truque com cartola num espetáculo mambembe, um sonho febril, um transe superpovoado de quimeras sem análogo nem precedentes, um parque de diversões itinerante, uma feira ambulante cujo destino último após incontáveis tendas erguidas em incontáveis terrenos barrentos é inexprimível e calamitoso além de todo entendimento.
O universo não é coisa que conheça alguma restrição e a ordem que nele reina não é compelida por qualquer latitude em sua concepção a repetir o quer que exista em uma parte em qualquer outra dada parte. Mesmo neste mundo mais coisas existem sem nosso conhecimento do que com ele e a ordem que vocês enxergam na criação é a que vocês mesmo puseram ali, como um fio em um labirinto, de modo a não se perder do caminho. Pois a existência tem sua própria ordem e esta nenhuma mente humana pode abarcar, sendo a própria mente apenas mais um fato entre outros.