Archive for the 'Enrique Vila-Matas' Category

PARIS NÃO TEM FIM, Enrique Vila-Matas

junho 12, 2012

Disse-lhe que não sabia se ela já pensara nisso alguma vez, mas até mesmo o pior Hemingway nos lembra que, para nos comprometermos com a literatura, primeiro temos que nos comprometer com a vida. Pensei que isso podia fazê-la chorar mas, para dizer a verdade, não chorou, entre outros motivos porque nada compreendeu das minhas palavras. Decidi ir embora dali o quanto antes. E foi então que ela disse algo com a intenção de que eu chorasse. “Já sou tão velha quanto meu pai, que está morto.” Decidi não retardar mais minha partida. Beijei cerimoniosamente sua mão e parti. Lembrei uma frase que ouvira minha mãe dizer muitas vezes: “Há que saber nadar só o bastante para se abster de salvar os outros”.

SUICÍDIOS EXEMPLARES, Enrique Vila-Matas

janeiro 14, 2010

PEDEM QUE EU DIGA QUEM EU SOU

“—Ora, ora. Quem lhe soprou uma ideia tão boba?

— A ideia é minha, e de boba não tem nada — me enfureci. — Boba é essa cafoníssima menina com boneca de pano que o senhor pintou. E boba somente em sua pintura, pois na vida real… Chama-se Ajevni e, como todas as demais babakuanas, é uma criatura muito esperta e muito endiabrada, que se distingue por sua tendência de sentir grande despeito ou muito ciúme, o que dá no mesmo, de sentir muita inveja de tudo. E a inveja, se o senhor não sabe, é uma das paixões nacionais em Babàkua. E a inveja, se também não sabe, é uma das manifestações mais claras do verdadeiramente diabólico.

— Sinto muito, cavalheiro. Pintei essa menina doce e serena, nada invejosa. Apresento minhas desculpas. Mas é assim tão grave não tê-la pintado invejosa?

— Claro que é — disse energicamente. — Sobretudo levando em conta que o senhor sempre se gabou de pintar a realidade de Babàkua e, no entanto, ignora detalhes tão elementares como o de que em Babàkua todas as mulheres, sem exceção, morrem de inveja. Desde meninas, todas desejam ter a boneca de pano da sua melhor amiga. E quando se tornam adultas, querem todas ser o marido de sua melhor amiga. Desculpe. Quis dizer que invejam sua melhor amiga pelo marido que ela tem.

Novamente me presenteou com um incômodo sorrisinho de pedantismo, desta vez, sem dúvida, por causa da pequena confusão que fiz ao falar. Mas continuei como se nada tivesse acontecido.

— E por inveja — eu disse — os homens de Babàkua matam. Matam para ficar com a boneca de pano que menos lhes pareça.”