Archive for the 'Friedrich Nietzsche' Category

ALÉM DO BEM E DO MAL, Friedrich Nietzsche

maio 21, 2010

MÁXIMAS E INTERLÚDIOS

140. Conselho em forma de enigma. — “Se o laço não deve romper — é preciso antes morder.”

175. Por fim amamos o próprio desejo, e não o desejado.

180. Há uma inocência na mentira que é o signo da boa-fé numa causa.

184. Há uma exuberância da bondade que pode parecer maldade.

ECCE HOMO, Friedrich Nietzsche

maio 4, 2010

PREFÁCIO

Não sou, por exemplo, um espantalho, um monstro moral – sou antes uma natureza contrária à espécie de homens que, até agora, se veneraram como virtuosos. Aqui só para nós, parece-me que isto se ajusta precisamente ao meu orgulho. Sou um discípulo do filósofo Dioniso, prefiro ser um sátiro a ser um santo.

PORQUE SOU TÃO SAGAZ

“Deus”, “imortalidade da alma”, “redenção”, “além”, simples conceitos a que não dediquei nenhuma atenção, também nenhum tempo, nem sequer em criança – talvez eu nunca tenha sido bastante infantil para tal? – Não considero o ateísmo como resultado, menos ainda como acontecimento: em mim decorre do instinto. Sou demasiado curioso, demasiado problemático, demasiado insolente, para me contentar com uma resposta grosseira. Deus é uma resposta grosseira, uma indelicadeza para conosco, pensadores – no fundo, é mesmo apenas uma grosseira proibição: não deveis pensar!…

GENEALOGIA DA MORAL

O cristão foi, até agora, o “ser moral”, uma curiosidade sem igual – e, como “ser moral”, mais absurdo, mais mentiroso, mais vaidoso, mais frívolo, mais prejudicial para si mesmo do que também o poderia sonhar para si mesmo o maior desprezador da humanidade. A moral cristã – a mais maléfica forma da vontade de mentira, a genuína Circe da humanidade: eis o que a corrompeu.  Não é o erro enquanto erro o que neste espectáculo me horroriza, não é a falta milenária de “boa vontade”, de disciplina, de decência, de ousadia no campo espiritual, que se trai nesta sua vitória; é a deficiência de natureza, o fato perfeitamente horrível de a própria contra-natureza receber, enquanto moral, as maiores honras e, como lei, como imperativo categórico, ter ficado a pairar sobre a humanidade!…
Enganar-se a este ponto não como indivíduo, não como povo, mas como humanidade!… Ensinou-se a desprezar os primordiais instin-
tos da vida; inventou-se enganadoramente uma “alma”, um “espírito”, para se desonrar o corpo; ensinou-se a divisar no pressuposto da vida, na sexualidade, algo de impuro; procurou-se na mais profunda necessidade de crescimento, no forte amor de si (– a palavra já em si é insultuosa), o princípio mau; e, pelo contrário, no sinal típico da degenerescência e da contradição dos instintos, no “interesse”, na perda da base de apoio, na “despersonalização” e “no amor ao próximo” (– raiva pelo próximo!), vê-se o mais alto valor, que digo?, o valor em si!…

ASSIM FALOU ZARATUSTRA, Friedrich Nietzsche

junho 24, 2009

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“Mudado está Zaratustra, tornou-se uma criança, Zaratustra, despertou, Zaratustra; que pretendes, agora, entre os que dormem?

Vivias na solidão como num mar e o mar te transportava. Ai de ti, queres ir a terra? Ai de ti, queres novamente arrastar tu mesmo o teu corpo?”

Zaratustra respondeu: “Amo os homens”

“E por que foi, então”, disse o santo, “que me recolhi à floresta e ao ermo? Não foi porque amei demais os homens?

Agora, amo Deus, não amo os homens. Coisa por demais imperfeita é, para mim, o ser humano. O amor aos homens me mataria.”

Zaratustra respondeu: “Por que fui falar de amor! Trago aos homens um presente.”

“Não lhes dês nada”, disse o santo. “Tira-lhes, de preferência, alguma coisa de cima e ajuda-os a levá-la; será o que de melhor poderás fazer por eles, se for bom para ti.

E, se queres dar-lhes alguma coisa, que não seja mais do que uma esmola; e, mesmo assim, só depois que a mendiguem.”

“Não”, respondeu Zaratustra, “eu não dou esmolas. Não sou bastante pobre para isso.”

Riu o santo de Zaratustra e falou assim: “Trata, então, de que aceitem os teus tesouros! Eles desconfiam dos solitários e não acreditam que os procuremos para presenteá-los.

Por demais desacompanhados, para eles, ecoam nossos passos nas ruas. E, quando, à noite, em suas camas, ouvem alugém caminhar muito antes que o sol desponte, perguntam a si mesmos: ‘Aonde irá esse ladrão?’

Não vás para junto dos homens, e fica na floresta! Vai ter, antes, com os animais! Por que não queres ser como eu – um urso entre os ursos, um pássaro entre os pássaros?”

“E o que faz um santo na floresta?”, indagou Zaratustra.

O santo respondeu: “Faço canções e as canto; e, quando faço canções, rio, choro e falo de mim para mim: assim louvo a Deus.

Cantando, chorando, rindo e falando de mim para mim, louvo o Deus que é o meu Deus. Mas tu, que nos trazes de presente?”

Ao ouvir essas palavras, despediu-se Zaratustra do santo, dizendo: “Que teria eu para dar-vos? Mas deixai-me ir embora depressa, antes que vos tire alguma coisa!” E assim se separaram, o velho e o homem, rindo como dois meninos.

Mas, quando ficou só, Zaratustra falou assim ao seu próprio coração: “Será possível? Esse velho santo, em sua floresta, ainda não soube que Deus está morto.