Archive for the 'Jean Cocteau' Category

A VOZ HUMANA, Jean Cocteau

setembro 9, 2009

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Ah! A tua voz, de novo. Muito nítida, amor. Sim, foi desagradável. Como se tivéssemos morrido. Ouvir e não poder falar………………………………………. Não, nenhuma interferência. É mesmo estranho que nos deixem conversar tanto tempo. Geralmente cortam ao fim de três minutos e depois dão-nos um número errado………………………… sim, sim…………………………… muito melhor que há pouco, mas o teu telefone ressoa. Nem parece o mesmo…………………………………………. Claro que sou capaz de ver-te…………………………………… O lenço que puseste no pescoço? …………………………………….. É o lenço vermelho……………………….. Ah!……………………………. Um pouco descaída para a esquerda………………………………… As mangas do roupão arregaçadas………………………. na mão esquerda? tens o telefone. Na direita a caneta. Desenhas no mata-borrão perfis, corações, estrelas. Ris-te? Não sei porquê. Reduzida a ouvir-te, vejo com os ouvidos…

A VOZ HUMANA, Jean Cocteau

setembro 3, 2009

868

O que?…………………………. Oh! sim, mil vezes melhor. Se não tivesses telefonado morreria………………………… Não……………………… espera…………………………….. espera……………………………… encontremos uma saída…………………………… Perdoa-me. Eu sei que é uma cena intolerável, e muita paciência tens tu, mas compreende-me, querido; sofro, sofro como nunca. Este fio é a única coisa que me liga ainda à nossa vida………………………….. Anteontem à noite? Dormi. Deitei-me com o telefone……………………… Não, não. Levei-o para a cama………………. Claro, fui ridícula, mas se levei o telefone para a cama é porque ele, apesar de tudo, nos une ainda. Liga esta casa à tua casa e não te esqueças que me tinhas prometido falar. Imagina que mergulhei numa confusão de sonhos. A tua chamada transformava a campainha do telefone num som mortal e eu caía; depois, vi um pescoço branco que alguém estrangulava; depois ainda, achei-me no fundo dum mar que se parecia com o apartamento de Auteuil, ligada a ti por um tubo de escafandro e a suplicar-te que não o cortasses. Enfim, sonhos estúpidos quando se contam; mas o pior é que durante o sono eram demasiado vivos. Terrível, meu amor…………………………………………….. Porque tu me falas. Há cinco anos que vivo de ti, que és o único ar que posso respirar, que levo o tempo à tua espera, a julgar-te morto quando te demoras, a morrer porque te julgo morto, a reviver quando entras e te vejo, a morrer com medo de partires. Neste momento, respiro porque tu me falas. O meu sonho, afinal, não é assim tão falso; se desligares agora, morrerei afogada naquele mar que parecia o teu apartamento……………………………………………………………………… De acordo, meu amor; dormi. Dormi porque era a primeira vez. O médico bem disse: é uma intoxicação. Mal ele sabia… A primeira noite, dorme-se. O sofrimento distrai, é uma novidade, suportamo-lo. O que não se suporta é a segunda noite, a de ontem, e a terceira, a de hoje, a que vai começar dentro de alguns minutos, e amanhã e depois de amanhã, dias sobre dias, a fazer o que, meu Deus?